Breve roteiro literário em Portugal
Fernando de Pessoa, Saramago e Eça de Queiroz cruzaram meu caminho (até sem que eu planejasse)
Em setembro estive em Portugal. Fui com o objetivo de visitar pessoas muito importantes na minha vida e aproveitar as férias. Foi minha viagem mais ambiciosa e, curiosamente, menos planejada. Claro que fiz um roteiro básico, mas quis dar chance pro acaso. E ele se encarregou de entregar exatamente o que eu que queria encontrar, sem procurar. Hoje compartilho com vocês um breve roteiro literário por lá.
Mirei no Saramago, acertei no Fernando Pessoa
Comprei as passagens pra essa viagem numa baita promoção que rolou quando foram anunciados os voos diretos de Floripa pra Portugal. Meu destino final era o Porto, mas com uma generosa escala de quase um dia inteiro em Lisboa, o que me poupava uma nova viagem até lá pra ver o que eu mais queria.
O que eu mais queria: conhecer a Fundação José Saramago, que fica na Casa dos Bicos, bem perto da Praça do Comércio, centro histórico da capital portuguesa. O que eu não sabia: era fechada no domingo, dia em que cheguei.
Então passei por lá, namorei o prédio, botei reparo, fiz uma foto e segui pro top 2 na minha lista de prioridades: a Casa Fernando Pessoa. E que sonho foi aquele.
O prédio que abriga o museu foi a casa em que Pessoa viveu seus últimos 15 anos. A gente começa a visita pelo terceiro andar e vai descendo. Lá em cima, dá de cara com a máquina de escrever usada por ela e frases emblemáticas pelas paredes.
Naquele andar, a gente encontra Pessoas: é um espaço dedicado aos seus heterônimos. Então, além de conhecer sobre ele, você aprende sobre cada um deles. Tem inclusive ilustrações que retratam quem seria Álvaro de Campos, por exemplo, com sua respectiva descrição e mapa astral (sim, ele estudava astrologia e tinha um mapa astral pra cada heterônimo). É lindo de ver como as coisas ganham forma, como cada um deles se torna “palpável”.
Depois, a gente passa pela biblioteca de Fernando Pessoa. A biblioteca do cara! Tem ali praticamente tudo que ele lia e consultava, e a coleção tem romances, mas também livros de astrologia, física, matemática, medicina. Tem ainda a estante original que abrigava os livros dele e um convite pra imaginar como eram dispostos ali.
Será que ele colocava em ordem alfabética pelo sobrenome do autor, como eu tento fazer aqui em casa? Será que era organizado por gênero? Será que era por cor da lombada, pra ficar bem instagramável? Fica a questão.
Por fim, o lugar que fez meu coração disparar: o apartamento de Pessoa reconstituído. Eles fizeram marcações no chão pra que a gente imaginasse exatamente como era o lugar, além de dispor alguns móveis, como a cama e a cômoda do escritor. Tem ainda alguns objetos pessoais, como os icônicos oculozinhos do Pessoa. Fotos dele andando pelas ruas de Lisboa completam um cômodo, além de capas da revista Orpheu. E, pra terminar, no que era o escritório do escritor, a gente encontra a folha de papel original com a última frase que ele escreveu, antes de se sentir mal e ir sozinho ao hospital onde morreu, aos 47 anos.
Eu fiz um vídeo:
No meio do caminho tinha Eça de Queiroz
Quando eu fiz o roteiro pra Portugal, incluí a Fundação Eça de Queiroz, que fica em Santa Cruz do Douro. Mas o destino se revelou fora de mão, a mais de 80 quilômetros do Porto, então deixei pra lá - não se pode ter tudo.
Na verdade, foi uma questão de prioridades, já que eu dei um jeito de ir até Coimbra, ainda mais longe, porque eu realmente queria muito ir pra lá. O objetivo principal: conhecer a Biblioteca Joanina, que fica na universidade. Essa biblioteca é considerada uma das mais ricas, bonitas e antigas da Europa, e meio que povoava meu imaginário. Então, com uma mochila nas costas e uma ideia na cabeça, comecei a subir as ladeiras que levam até lá.
O que eu não sabia: que Eça de Queiroz tinha estudado na Universidade de Coimbra. Como eu descobri: no meio de uma ladeira, parei pra pegar o celular na mochila e recuperar o fôlego pra fazer um vídeo e mandar no grupo da família com a legenda “o de hoje tá pago”. Eis que viro pro lado e me deparo com a seguinte placa fixada em uma prédio antigo no meio dos vários que servem como moradia estudantil:
Finalmente encontrei a Universidade de Coimbra, fiquei pensando “e se eu transferir o curso de Letras pra cá e morar no McDonalds?”, e reparei no Museu Nacional Machado de Castro. “Curioso”, pensei. “Vou entrar”.
O que eu não sabia: tem a porra de uma cidade romana lá dentro! Sim, essa foi a minha reação. Como vocês já devem ter reparado, eu pesquisei muito pouco ou quase nada antes de fazer essa viagem, o que me é peculiar, e não tinha a menor ideia de que antes de ser Coimbra, ali foi Aeminium, cidade criada há mais de 2 mil anos. E lá, dentro do museu, o criptopórtico de Aeminium tá preservado. Tem estátuas, pilares com inscrições, além da estrutura daquela área super bem cuidados, com muitas informações, com um som ambiente um pouco assustador, confesso.
Foi uma experiência única e linda, que tomou minha tarde e me fez esquecer temporariamente da Biblioteca Joanina e da dor no quadril.
Acabei optando por dormir em Coimbra (num hotel, não no McDonalds) e visitar a Biblioteca Joanina e outros espaços da universidade no dia seguinte.
Sobre isso, é preciso saber quem: você vai ter que comprar o ingresso antecipado, pelo site, e agendar a visita à biblioteca, que também inclui o acesso à Capela de São Miguel (tava fechada no dia em que fui porque tava tendo um casamento. Achei chic), o Palácio Real (entrei e fiquei totalmente colonizada) e o Laboratório Chimico (interessante).
Também precisa saber, meu caro instagramer, que não dá pra fotografar o “grosso” da biblioteca, então segura tua ondinha: não vai ter close. O prédio tem três pisos: no primeiro tem uma prisão acadêmica (não gostei); no segundo tem um depósito de livros e espaços pra leitura (até ali dá pra fotografar) e o terceiro é o piso nobre (nobre mesmo, eu diria). Ali é o coração da Biblioteca Joanina e fotos são proibidas, mas peguei do site oficial pra mostrar pra vocês:
E também a descrição: “O andar nobre é composto por três salas revestidas por estantes e varandas ornamentadas com ricas talhas e pinturas a ouro sobre fundo preto, na primeira sala, vermelho na segunda e verde na terceira. A comunicação entre as salas faz-se através de arcos rematados por escudos. O revestimento é de madeira, pintada de tal forma que aparenta ser mármore. As paredes estão cobertas por estantes de dois andares em madeira de carvalho, dourada e policromada. Ao longo das salas encontram-se seis mesas com embutidos, feitas de preciosas madeiras tropicais. As figuras que se encontram nos tetos foram cuidadosamente escolhidas e contêm mensagens ainda atuais, relacionadas com a ideia de Universidade”.
O edifício é descrito como “uma caixa-forte essencialmente pensada para conservar os livros: as paredes exteriores têm 2 metros e 11 centímetros de espessura”. Achei particularmente curiosa essa informação: “Desde há pelo menos dois séculos e meio que habitam a biblioteca duas colônias de morcegos que contribuem para o controle de pragas. A presença destes mamíferos requer, porém, um cuidado adicional: no final de cada dia, é necessário cobrir as mesas com toalhas de couro”.
Ali na biblioteca, tem 60 mil volumes, “representando o que de melhor se imprimiu na Europa entre os séculos XV e XVIII”, segundo eles. Hoje, essas obras são objeto de estudo e uma boa parte está digitalizada.
A cidade em que Eça de Queiroz nasceu
Tinha outra cidade no meu roteiro: Aveiro. Eu queria ir lá basicamente pra comer. Tava com minhas passagens de ônibus compradas, fui pro terminal e ali, como boa pessoa de férias completamente alienada, descobri que Portugal tava ardendo em incêndios florestais e que o epicentro era justamente Aveiro. Eu estranhei mesmo que naquela manhã o céu tava com uma carinha de Brasil.
Bom, obviamente, passeio cancelado. Gastei um bom tempo lendo as notícias pra entender o que tava acontecendo e decidir o que fazer. E descobri que, sentido Norte, a situação estava menos complicada. Assim desci pro metrô, olhei o mapa e decidi parar na última estação: Póvoa de Varzim.
Eu nunca tinha ouvido falar daquele lugar - nem sabia se era uma cidade ou um bairro do Porto. Fui dando uma olhada no Google no caminho, mas preferi curtir a viagem de cerca de uma hora.
Quando cheguei lá me deparei com quem? Ele mesmo, Eça de Queiroz, numa estátua belíssima na praça central. E foi assim que descobri que, por acaso, tinha ido até a cidade em que ele nasceu.
Não tem muito mais sobre o cara lá, além daquela aura gostosa e a possibilidade de ficar pensando “nossa, tô aqui onde o Eça de Queiroz nasceu”. Ele tem uma frase famosa por lá que é: “Sou um Pobre Homem da Póvoa de Varzim”.
A cidade tem ainda uma francesinha diferenciada e uma orla interessante. Também tem fino barato e ruas gostosas e tranquilas pra caminhar.
Saí de lá e voltei pra casa com um objetivo: ler mais Eça de Queiroz.
A livraria mais bonita do mundo (será?)
Quando eu tava fazendo meu roteiro, vi que ficava no Porto a “livraria mais bonita do mundo”. Achei pretensioso? Achei. Quis visitar? Quis.
Mais bonita eu não posso afirmar, mas mais fotogênica, talvez seja. Tanto que é cobrada entrada e tem que agendar horário pra visitar a Lello - que certamente foi o nome de homem hétero branco pra ter tamanha autoestima. Ela também ficou famosa porque a transfóbica que escreveu Harry Potter morou no Porto e dizia que a Lello era tudo isso (mais uma questão duvidosa). Militei bonito nesse parágrafo.
Eu mal consegui ver os livros da Lello porque tinha tanta gente tirando foto que dificultava o negócio. Então o que eu fiz: pedi pra um desconhecido tirar uma foto minha também, claro, e fui procurar onde ficava a literatura brasileira. Não ficava. Achei um Jorge Amado e um Paulo Coelho perdidos pelo caminho. Apenas.
O que eu gostei: tem uma sala inteira dedicada ao Saramago, com fotos, capas de revista e edições especiais de livros dele.
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Tour literária pela Colômbia
A ida pra Portugal não foi focada na literatura, mas eu costumo incluir visitas a museus ou outros espaços relacionados ao tema em todos os lugares em que vou. A exceção foi a Colômbia: pra lá eu fiz um roteiro inteiro baseado na vida de obra de Gabriel García Márquez. Contei sobre isso nesse episódio:
O Posfácio tá sumido?
Tá! Costumamos dar um tempo entre uma temporada e outra pra colocar nossas cabeças, nossas leituras e nossas finanças em dia. Encerramos a sexta temporada e agora estamos nesse hiato. A parte boa é que você pode aproveitar o momento e maratonar o Posfácio. Tem muita coisa boa pra você ouvir!
A gente continua aqui pela newsletter, falando sobre nossas leituras e outros assuntos relacionados à literatura. E se você tá com saudade e mora por Floripa e região, em outubro estaremos no Festival Literário da UFSC. Bora?!
Obrigada por nos acompanhar até aqui!
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Bjos e até a próxima =)
Adorei esse relato de viagem, algo bem português, por sinal, e agora estou com vontade de fazer turismo literário também.