Sobre perseguir uma história até que vire um livro
Como a jornalista Juliana Dal Piva escreveu o livro “Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva”
A jornalista Juliana Dal Piva acaba de lançar o livro “Crime sem castigo: Como os militares mataram Rubens Paiva”. O trabalho vem num timming perfeito: logo depois de “Ainda estou aqui” ganhar o Oscar de melhor filme internacional. Mas a história que resultou na publicação dessa obra vem muito antes disso.
No mês de abril, a Juliana, que é catarinense e formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), esteve em Florianópolis para uma palestra e lançamento do livro. E contou que seu interesse por histórias relacionadas à ditadura militar começou quando ainda era estudante.
“Eu sempre fui curiosa desse tema, sempre me gerou desconforto”.
O desconforto: uma grande força que move as pessoas. Juliana se formou e foi pros grandes jornais. Em O Globo, acompanhou o andamento dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e a começou a investigar agentes da ditadura. E foi numa dessas apurações que se deparou com uma testemunha da morte de Rubens Paiva. Alguém que sabia o que tinha sido feito com o ex-deputado e com o corpo.
Em 2014, a Comissão da Verdade chegou aos nomes dos autores do assassinato de Rubens Paiva. E Juliana já estava totalmente envolvida com a história. A riqueza de detalhes no processo criminal foi o que fez com que tivesse interesse de escrever sobre o caso.
“Imaginei que o caso dele ia abrir o caminho para se discutir crimes contra a humanidade no STF”, contou a jornalista.
O caso Rubens Paiva foi escolhido pra ser o tema de dissertação de Juliana no mestrado. Mas no mês em que concluiu o trabalho, o Brasil vivia o impeachment de Dilma Rousseff. Ou seja: ninguém se interessava sobre o assunto e, apesar de ter indicação de publicação, a pesquisa ficou na gaveta.
Pós-impeachment, veio o governo Bolsonaro, e o foco de Juliana passou a ser outro: ela começou a investigar a família do ex-presidente, o esquema de rachadinha, Queiroz, a coisa toda. Esse trabalho resultou em projetos jornalísticos da melhor qualidade: o podcast “A vida secreta de Jair” (é incrível, apenas ouçam!) e o livro “O negócio do Jair”.
Bolsonaro fora do governo (glória), Juliana voltou a olhar para outros projetos. E depois de assistir ao filme “Ainda estou aqui”, decidiu oferecer sua pesquisa sobre Rubens Paiva para editoras. O trabalho foi reformulado, trechos reescritos, e o livro enfim publicado pela Matrix.
“É uma grata surpresa ver o interesse em torno do livro agora”, celebrou Juliana.
Para ela, contar essa história é importante porque o Brasil nunca acertou as contas com o seu passado, e os abusos cometidos pelos agentes da ditadura continuam se perpetuando.
“O Brasil tem feito uma transição incompleta. Não se reforma a polícia e a violência continua ali. Desde 1985 se escuta que ‘é muito difícil mexer com os militares’. Quando vai deixar de ser? Ou a gente enfrenta essa estrutura, ou vai viver tudo de novo”, pontuou.
Juliana ainda fez uma defesa veemente do jornalismo investigativo, demonstrou preocupação com as mulheres que atuam nessa área, e conversou rapidamente com as dezenas de pessoas que estavam ali pra ouvir sua história e pegar um autógrafo (incluindo eu).
Obras jornalísticas no Posfácio
O jornalismo já foi tema de alguns episódios do Posfácio. No ano passado, quando foi celebrado o centenário de Salim Miguel, falamos de sua atuação como jornalista:
Em 2022, conversamos com o grande jornalista Mário Magalhães, autor da biografia de Marighella, sobre esse tipo de trabalho:
E bem lá no começo do Posfácio, tivemos dois episódios muito especiais com amigos jornalistas que admiramos muito. Com o professor Rogério Christofoletti, falamos também sobre política e a biografia de Lula, de Fernando Morais:
E com meu cristalzinho Dagmara Spautz, o papo foi todo sobre livros-reportagem:
Ouça! Vale muito aprender com essa galera.
Mudanças no Posfácio
Não sei se você já tá sabendo, mas aproveito essa newsletter para contar (novamente) das mudanças pelas quais o Posfácio Podcast está passando: a Carol Passos, que faz o podcast comigo, está saindo. Ela publicou um texto lindo nas redes sociais explicando essa mudança e contando que ela de cena, mas o podcast fica.
O Posfácio é um sonho que sonhamos juntas, realizamos coisas incríveis e eu sou muito feliz por isso. Colocamos nele nossa amizade, nosso humor, nosso interesse pelos livros e nosso respeito uma pela outra. É por isso que, por mais desafiador que seja tocar esse projeto sem a Carol, eu não consigo agir de forma diferente.
A programação do podcast para 2025 já começou. Depois de uma série de reprises que demos o nome de Leituras de Verão, em abril e maio você vai encontrar, quinzenalmente, episódios do Diário de Leitura: são conteúdos mais curtos, em que eu falo sobre minha experiência assim que termino de ler um livro. O primeiro episódio inédito do ano já tá no ar, sobre "Dias de se fazer silêncio", da Camila Maccari. O segundo foi sobre “A corneta”, da Leonora Carrington:
Depois disso, estou prevendo uma série de conversas sobre os livros obrigatórios para o vestibular da UFSC, com a ideia de que seja um conteúdo interessante para vestibulandos e não-vestibulandos que se interessarem pelas obras. É também utilidade pública!
E também vou retomar as entrevistas com autoras e autores, sempre com a participação de amigos e amigas que vão me ajudar nessa empreitada daqui pra frente.
O plano é não perder a essência do Posfácio: falar sobre livros com muito bom humor e zero pretensão!
Pra isso, o apoio de ouvintes continua sendo muito necessário. Colaborando com R$ 10 por mês, você apoia o jornalismo cultural e independente e concorre a combos de livros todos os meses. Bora?!
Muito obrigada por acompanhar o Posfácio!
Beijos e até a próxima,
Stefani