Sobre os livros obrigatórios para o vestibular da UFSC - que todo mundo deveria ler!
“Cemitério dos vivos”, de Lima Barreto, “Crônicas para jovens: de amor e amizade”, da Clarice Lispector, e “Ânsia Eterna”, da Júlia Lopes de Almeida, são os assuntos do episódio 9 do podcast Posfácio
Oi!
O episódio 9 do Posfácio é um serviço de utilidade pública! Falamos sobre as leituras obrigatórias para o vestibular de verão 2022 da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os livros são: “Cemitério dos vivos”, do Lima Barreto, “Crônicas para jovens: de amor e amizade”, da Clarice Lispector, e “Ânsia eterna – contos”, da Júlia Lopes de Almeida. Falamos sobre as obras, o autor e as autoras, e dar motivos pra quem não é vestibulando também ler esses livros! E claro, tem polêmica.
No romance “Cemitério dos Vivos”, Lima Barreto ficcionalizou as anotações feitas no “Diário do Hospício”, que escreveu durante o período que ficou internado numa instituição psiquiátrica entre 1919 e 1920. É um romance inacabado, que ele começou a escrever quando saiu do hospício e voltou pra casa, onde faleceu, em 1922, aos 41 anos.
O livro é realista e tem uma “quase” história de amor de pano de fundo. O Lima mesmo não acreditava no casamento como instituição e se dizia anarquista. No livro, o protagonista se casa com uma mulher, tem um filho, mas ela acaba falecendo. E esse homem, que era um intelectual, tinha pretensões de estudar e de escrever, fica completamente perdido. Passa a consumir muito álcool, se torna alcoolista e tem delírios. Um dia é pego na rua, delirando, e levado pro hospício. E a partir daí, a história do diário é transposta para o romance. É muito comovente ver esse aspecto autobiográfico da obra do Lima Barreto.
A Lilia Schwarcz, que escreveu uma biografia sobre o autor, chamada “Lima Barreto: Triste Visionário”, conta que em todos os livros do Lima tem algo dele próprio, ou ele vai se tornando algo do livro. Em uma palestra, Lilia fala: “Lima Barreto morreu da loucura que é o racismo no Brasil”. Assistam:
Já o livro “Crônicas para jovens: de amor e amizade”, da Clarice Lispector, é uma interessante iniciação de adolescentes à obra da autora. Mas como todos os escritos de Clarice, traz questões complexas, como as relações humanas, sentimentos, reflexões profundas em situações corriqueiras. Clarice usa o espaço no Jornal do Brasil como teste para obras futuras, ocupando as páginas de forma única e sem precedentes ou sucessores (alguns tentaram, mas não conseguiram).
Escritas durante a ditadura (1967 a 1974), as crônicas eram ignoradas pela censura, pois ela escrevia de uma forma muito introspectiva e complexa, que dificultava a interpretação dos textos. Clarice também subverte o conceito do estilo de crônica, às vezes com textos mais curtos e contos.
Outro ponto é o olhar de uma mulher acerca do cotidiano. Clarice consegue trazer reflexões sobre gênero sem ser óbvia, tratando dessas questões de uma forma criativa. Ela vinha do fim do casamento quando escreveu as crônicas. Havia recém voltado ao Brasil com os dois filhos e encontrou nos textos publicados no jornal uma forma de renda. Ela não esconde do leitor que esse é o objetivo, aliás, cria um laço com eles, algumas vezes dialogando com pessoas que lhe escreviam.
A Carol citou como exemplo a crônica “Liberdade”, que tem tudo a ver com a gente:
“Como amigas, chegamos a um tal ponto de simplicidade ou liberdade que às vezes eu telefono e ela responde: não estou com vontade de falar. Então eu digo até logo e vou fazer outra coisa”.
Por fim, falamos sobre “Ânsia Eterna”, de Júlia Lopes de Almeida. Julinha foi a única mulher idealizadora da Academia Brasileira de Letras. Mas ela pôde ocupar uma cadeira lá, apesar de ter uma vasta produção literária, de muita qualidade? Não pôde, não! Porque a casa do ~Machadão da Massa~ só aceitava homens - aliás, só passou a aceitar mulheres a partir de 1977, com a Raquel de Queiroz, e até agora não tem nenhuma mulher negra, só pra lembrar.
A Júlia era considerada uma mulher com ideias avançadas pra época. Ela nasceu no Rio de Janeiro em 1862 e morreu em 1934. Era feminista, abolicionista, defendia o divórcio, os direitos civis, a educação formal de mulheres.
O livro “Ânsia Eterna” é uma coletânea de contos publicada em 1903. Nele, ela ironiza os homens da época, traz também contos fantásticos, muitas histórias relacionadas com a morte ou a loucura, e fala muito de uma classe social pequeno burguesa, dos desejos de ascensão.
Uma coisa interessante é que diferente do Machado, por exemplo, contemporâneo dela, é que nesse livro de contos da Júlia, pelo modo de escrever, você não identifica a época. Pode facilmente ser considerado atual.
Vamos falar sobre linguagem neutra?
No artigo chamado “História literária, cânone e crítica feminista”, a Eurídice Figueiredo escreve sobre a Júlia e a questão da ABL: “No momento em que se apresentaram os nomes dos membros, seu nome foi substituído pelo de seu marido, o poeta português Filinto de Almeida.” A produção dele era nada se comparada à dela. E a justificativa da ABL era de que no estatuto se previa que apenas “brasileiros” podiam fazer parte. E por brasileiros, eles entendiam “homens”. Esse é só um dos motivos pra gente debater a questão de gênero na gramática, o quanto substantivos masculinos são generalizantes ou não, e a importância da linguagem neutra. Esse episódio do podcast “Durma com essa”, do Nexo, fala sobre o assunto.
Assista a esse vídeo que fala sobre a importância da linguagem neutra:
Talvez a gente tenha se empolgado um pouco ao falar sobre esse tema no episódio. Quem ouvir, dirá!
Os livros citados neste episódio são:
“Diário do Hospício” e “Cemitério dos vivos”, Lima Barreto
“Lima Barreto: Triste Visionário”, Lilia Schwarcz
“Crônicas para jovens: de amor e amizade”, Clarice Lispector
“Ânsia eterna – contos”, Júlia Lopes de Almeida
“Os Ratos”, Dyonélio Machado
“A Majestade do Xingu”, Moacyr Scliar
“O Cortiço”, Aluisio Azevedo
“Senhora”, José de Alencar
“Úrsula”, Maria Firmina dos Reis
“O Triste fim de Policarpo Quaresma”, Lima Barreto
“Quarto de despejo”, Carolina Maria de Jesus
“Reino dos bichos e dos animais é o meu nome”, Stella do Patrocínio
“Holocausto Brasileiro”, Daniela Arbex
“Todo dia a mesma noite”, Daniela Arbex (a Stefani falou o nome errado no episódio. Desculpa aí!)
“Um útero é do tamanho de um punho”, Angélica Freitas
Conteúdo extra!
Nesta edição temos um open bar de conteúdos extra! Sobre a questão da “loucura”, indicamos o livro “Reino dos bichos e dos animais é o meu nome”, da Stella do Patrocínio. Ela não foi uma escritora, uma poeta. Foi uma mulher que, diagnosticada com esquizofrenia, passou quase a vida toda internada numa instituição psiquiátrica. Ela morreu em 1992, aos 51 anos. A Stella nunca escreveu nada, mas falou muito. E suas falas eram profundamente poéticas e refletiam muito as questões sociais. Era, também, uma mulher negra. As falas da Stella foram gravadas por professores da instituição e, em 2001, a escritora Viviane Mosé reuniu algumas dessas falas poéticas no formato de poesia no livro. A edição de outubro da revista 451 tem a Stella na capa e várias matérias sobre ela, e o podcast da 451 também reúne pesquisadoras que falam sobre a poesia dessa não-poeta:
Outra indicação é o livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex, chamado “Holocausto Brasileiro”, que inclusive virou série. Esse livro conta histórias de pessoas internadas no hospício de Barbacena, em Minas Gerais, e é muito chocante porque muita gente passou a vida e morreu naquele lugar. São obras importantes pra gente refletir sobre o quanto a reforma psiquiátrica foi importante no Brasil, que demorou pra chegar, e de como, sempre, as pessoas negras, pobres e mulheres eram as principais vítimas desses abusos e dessa segregação.
Também indicamos o episódio “Terra de cientistas”, do podcast Vidas Negras, que a gente sempre recomenda por aqui, que fala da história de Juliano Moreira, um médico negro que revolucionou a psiquiatria no Brasil e dirigiu o hospício nacional, onde o Lima foi internado. Tiago Rogero, autor desse podcast, temos um recado: estamos aí com uma vaga de amizade aberta.
Spoiler
No próximo episódio, que será o último de 2021 e desta primeira temporada no Posfácio, nós vamos falar sobre os livros que mais gostamos de ler esse ano. Não são necessariamente livros lançados em 2021, mas que lemos só agora e gostamos demais. Não percam!
Ouçam o Posfácio nas plataformas Spotify, Anchor, Deezer, Google Podcasts, Apple Podcasts e Amazon Music.
Agora o Posfácio também tá nas redes sociais! É @posfaciopodcast no Twitter e no Instagram.
Até a próxima!
Sensibilidade e contexto muito legais sobre loucura, entre aspas, e literatura. Parabéns e muito pelas dicas de leitura e vídeos.