Bastidores e reflexões sobre contar histórias
Um pouco do que a gente aprendeu com a série especial do Posfácio Podcast sobre literatura catarinense
Quando a gente começou a trabalhar na série especial narrativa do Posfácio Podcast sobre literatura catarinense, eu fui num evento relacionado a um grande nome da nossa cultura, e saí de lá acabada, consumida pela Síndrome da Impostora. Mandei um áudio pra Carol Passos, minha sócia nessa empreitada e minha melhor amiga, com um desabafo lastimável sobre o quanto eu me sentia deslocada naquele ambiente, porque eu não era nada ali, quase ninguém me conhecia, e tinha gente muito foda, que sabia muito sobre o tema que a gente ia tratar. Eu me sentia péssima porque eu realmente não faço parte desse mundo, apesar de desejar muito fazer.
Eu vim do jornalismo popular, e depois de quase 15 anos em redação, eu fui pra comunicação de causas, trabalhar com organização da sociedade civil e com sindicato. Então entrar no universo cultural, que eu gosto e admiro tanto, é muito novo pra mim.
Quando o desespero passou, eu percebi que não me lembrava da última vez que tinha me sentido tão desafiada. E a Carol me ajudou a entender mais uma coisa importante: eu não precisava saber de tudo.
Na produção dessa série, em nenhum momento a gente partiu de uma lógica de que nós seríamos as grandes detentoras de informação sobre literatura feita a partir de Santa Catarina. O nosso papel foi muito mais de mediadoras, de facilitadoras. Porque o que a gente fez, na verdade, foi buscar pessoas que sabem muito e têm muito a compartilhar sobre este assunto. Mas a gente também estudou muito, leu muito. Foram muitas horas dedicadas a produzir esse conteúdo e poder entregá-lo da melhor maneira possível.
Outra coisa importante de se mencionar é que, às vezes, quem vem de um jornalismo mais tradicional, como nós, tem um vício que é muito absurdo, mas também é bastante prático: o de buscar fontes que digam o que a gente quer ouvir, que confirmem uma tese que a gente já tem. E nessa série o que fizemos foi o contrário disso. Nos dispusemos a ouvir, entender, aprender.
Eu cheguei para o Carlos Henrique Schroeder, por exemplo, que é um grande escritor, crítico, curador de literatura, e falei: “olha só, eu fiz um listão aqui de nomes que eu pesquisei e separei por gênero. Você pode olhar essa tabela comigo e me ajudar a identificar se tô no caminho, se não tô, se tô esquecendo alguém?” E o cara, que mal me conhecia, foi de uma generosidade absurda. A gente tava numa videochamada e ele disse: “compartilha essa lista aí, vamos dar uma olhada”. E assim a gente passou uma manhã discutindo nomes. Ele não precisava fazer isso. Ele podia ser gentil, me dar um toque e tal, conceder uma entrevista, mas realmente se envolveu.
A Ieda Magri (agora finalista do Prêmio São Paulo de Literatura!) atendeu a gente antes de receber um prêmio importante na Academia Catarinense de Letras. Estavam ali amigos que ela não via há muito tempo, porque ela nasceu no Oeste de SC e mora no Rio de Janeiro, mas ela priorizou a gente naquela noite. Isso é uma honra tão grande!
O Marcelo Labes organizou uma viagem pra gente visitar a Urda Klueger. Ele foi envolvido em cada etapa do processo. Fofocamos, rimos, foi divertidíssimo.
A Chaiane Guterres, do Slam Cruz e Sousa, conversou comigo sentada no chão do varandão do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) numa noite de chuva, e no fim nossa conversa tinha virado uma sessão de terapia: eu estava quase chorando e ela me dizendo que eu também era poeta.
O Edsoul Amaral, que deu voz à poesia do Cruz e Sousa nesta série, é nosso amigo, foi nosso colega de trabalho, e deu um jeito de gravar os áudios no meio de uma cobertura de um desastre natural no Estado.
O Dorva Rezende eu nem sei como agradecer não só pela conversa, mas por ter me apresentado Adolfo Boos Júnior, que é um dos maiores escritores de SC, e por ter me emprestado o livro “Um largo, sete memórias”, que eu tô pra dizer pra vocês que tá se tornando um dos meus favoritos.
Também preciso falar da generosidade de pessoas que apontaram inclusive alguns problemas na série. A jornalista Adriane Canan, uma das idealizadoras do documentário “Eglê”, nos trouxe uma discussão extremamente relevante sobre a necessidade de termos mais mulheres entre nossas fontes, de mulheres falarem sobre mulheres, e apesar de termos essa preocupação em tudo que fazemos, reconhecemos que, sim, poderíamos ter ouvido uma diversidade maior de pessoas. Além disso, a Adriane reforçou que a Eglê tem, sim, uma bora expressiva e que precisa ser reconhecida.
Esse mesmo episódio, tão complexo quanto necessário, nos rendeu algumas reflexões e pontos de atenção. Um deles veio do historiador Ricardo Machado, que entrevistamos na série, a respeito do período de permanência de Eglê na prisão durante a Ditadura. Ainda estamos pensando em como incluir a informação correta — que ficou dispersa no episódio —, mas é algo que estamos trabalhando. Pois sabemos que a série não se esgota aqui.
É com esse respeito com que tanta gente nos tratou que eu e a Carol tratamos também o nosso trabalho. E tenho certeza que muitos outros aprendizados virão pelo caminho, e espero que tenhamos a sorte de seguir encontrando gente generosa, empática e aberta a dialogar!
Apoie o jornalismo independente
Fazer jornalismo independente não é tarefa fácil! Essa série só saiu do papel devido a um financiamento que recebemos do International Center for Journalists, que é uma entidade que apoia projetos jornalísticos independentes em todo o mundo. Nesse processo, transformamos nosso primeiro podcast, o Posfácio, e um negócio. Assim nasceu o Posfácio Hub de Jornalismo em Áudio. E também começamos a trabalhar em novos produtos, como o podcast Histórias Plurais, que lançamos em setembro.
Nossa missão é contar histórias relacionadas a questões sociais e direitos humanos na literatura, na ciência, e no cotidiano.
Novos projetos
O recurso pra estruturar nossa empresa e lançar a série sobre literatura catarinense obviamente já acabou, mas a gente tem muitos projetos na manga, que dependem de financiamento para sair do papel.
Pra você ter uma ideia, temos o projeto de duas novas série do Posfácio: uma sobre a relação de Jorge Amado com SC e outra sobre Salim Miguel. Além disso, queremos lançar um novo podcast sobre algoritmos e racismo. Também planejamos manter o Histórias Plurais, com episódios curtos que contam histórias reais.
Pra viabilizar tudo isso, estamos buscando diferentes fontes de recursos financeiros. Um deles é a nossa campanha de financiamento coletivo. Temos a meta de atingir R$ 1,5 mil por mês em apoio.
Doando a partir de R$ 10 por mês, você concorre a combos de livros de editoras como a Campanhia das Letras, Boitempo e Relicário, que são nossas parceiras, além de obras da literatura catarinense. Essa é a recompensa física. A moral é você incentivar o jornalismo cultural e compromissado com causas sociais, feito por mulheres, e independente! Contamos com você.
Obrigada!
Stefani