Apoie escritores, livrarias e editoras impactados pelas enchentes no Rio Grande do Sul
De depósitos de livros inundados a autores desalojados, como Julia Dantas, setor cultural é fortemente impactado pela tragédia climática
Em 2022, a gente voltava à “normalidade” depois da pandemia de covid-19 e a escritora Julia Dantas me pegou pela mão e me levou pra um passeio pelas ruas de Porto Alegre por meio do livro “Ela se chama Rodolfo”. Ele é lindo, sensível, parece que vai pegar leve mas não pega, e tem a cidade como pano de fundo. Fizemos um episódio do Posfácio Podcast com a Julia em que ela falou sobre seu trabalho literário:
Corta pra 2024. Pelas redes sociais da escritora, acompanhei a saga de gente comum que enfrenta a tragédia climática que recai sobre o Rio Grande do Sul. Julia viu a água subir e teve que sair de casa sem saber quando poderia voltar, assim como 77 mil desabrigados e mais de 540 mil desalojados no estado vizinho ao que eu nasci e moro.
Julia fotografou um jacaré perdido pelas ruas do bairro dela. Em sua newsletter, escreveu um texto muito tocante sobre o que está vivenciando, chamado “A casa alagada”. Eu chorei na primeira vez que li, e chorei de novo agora, relendo, pra citar aqui. Separei esse trecho:
“Eu estou aqui para tentar colocar em palavras o que foi e o que está sendo viver essa coisa, mas há momentos que a linguagem não alcança. O melhor que eu posso fazer é dizer que se algum dia eu virar cineasta e fizer um filme de terror, essa cena estará lá: a água brota por entre as junções do piso de madeira em manchas escuras mínimas que rapidamente ganham tamanho e se espalham indiferentes aos panos e às folhas de jornal com as quais se tenta suprimi-las. Outra cena: a água começa a atravessar por baixo a parede compartilhada com a vizinha e a parede que nos separa da rua, e, pela primeira vez na vida, a mocinha do filme se pergunta o quão sólida costuma ser uma parede. Ela pensa que o apartamento desocupado da vizinha deve ter virado uma piscina e não quer acreditar que o seu vai ser o próximo. Horas depois, a mocinha pensa também na ingenuidade dos panos, das folhas de jornal, da barreira que tentou segurar meio metro de água. São pensamentos demais para um filme de terror, eu sei, eu não disse que seria um filme bom.”
A TAG e a Dois Pontos se juntaram em uma campanha solidária por meio da qual destinaram todo o valor arrecadado com venda da edição de “Ela se chama Rodolfo” à escritora. O livro esgotou no site da Dois Pontos, mas você pode deixar seu e-mail que eles avisam quando retornar ao estoque. O livro tá disponível também no site da DBA, que o editou, e pelos e-commerces por aí. A gente também recomenda a compra de “Ruína y Leveza”, outro livro maravilhoso da Julia Dantas. Nas redes sociais dela, tem outras formas de ajudar.
O livro da Julia esgotou no estoque da Dois Pontos. Tem editora que nem estoque mais tem. Reportagem de O Globo conta o seguinte:
“Um dos carros-chefes da editora gaúcha Libretos é o livro “A enchente de 41”, do jornalista Rafael Guimaraens, que reconstituiu a história da inundação da Porto Alegre oito décadas atrás. No entanto, as cópias que ainda restavam no galpão da Libretos foram destruídas pelos alagamentos que castigam a cidade há duas semanas e já superaram o dilúvio de 1941. Diretora da Libretos, Clô Barcellos estima ter perdido quase 12 mil livros e que os prejuízos superam R$ 350 mil.”
Autor do livro “A enchente de 41”, Rafael, agora em 2024, ficou ilhado em seu apartamento em Porto Alegre enquanto via as águas do Guaíba subirem.
A Libretos não é a única editora nessa situação. A Artes e Ofícios ainda espera a água baixar pra contabilizar os prejuízos. A L&PM, uma das mais tradicionais editoras gaúchas, também teve seu depósito alagado. A estimativa é de que 900 mil exemplares foram perdidos.
Imagine, então, o impacto para as livrarias? A Taverna, que fica na Casa de Cultura Mario Quintana, foi alagada e tem uma campanha de reconstrução. Aliás, pra quem conhece pouco Porto Alegre, como eu, e ama literatura, como a eu, a Casa de Cultura é parada obrigatória. É um dos lugares mais bonitos que já vi. E quando assisti às cenas das águas tomando aquele corredor, foi DOLORIDÍSSIMO. De verdade.
O Matinal, um veículo de jornalismo independente de Porto Alegre, que presta um serviço fundamental para o Rio Grande do Sul, fez uma reportagem mostrando os impactos dessa enchente para o setor cultural:
“99,3% dos participantes responderam que suas atividades foram de alguma forma prejudicadas pela crise climática. A tabulação parcial das respostas apontou também que 91,6% atuam de forma profissional no campo da cultura e 81,7% têm a cultura como única fonte de renda. Entre as áreas de atuação mencionadas, a maior representatividade é do setor musical, com 24,7%, seguido por artes cênicas (11,5%), profissionais que fazem gestão, produção ou empresariado cultural (8,7%) e artes visuais e audiovisual (cerca de 6%). Outras áreas também citadas foram: livro e literatura; culturas populares; pontos de cultura; museu, memória e patrimônio cultural; circo; carnaval; artesanato; dança; e outros.”
A reportagem mostra que, além de aguardar auxílio governamental para se reerguer, essas pessoas precisam de apoio de apoio da sociedade civil. De gente que se interesse pela cultura, compre suas obras, de empresas que incentivem o setor. Nós podemos fazer um pouquinho, divulgando nomes que conhecemos, comprando livros, apoiando as editoras e livrarias locais. É o mínimo que podemos fazer.
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Sexta temporada
Nós estamos trabalhando nesta sexta temporada e às sextas-feiras, a cada 15 dias, você ouve nomes importantes da literatura brasileira contemporânea no Posfácio. Mais uma vez, vamos priorizar autoras mulheres e vozes diversas, porque isso faz parte da nossa missão! O episódio mais recente é com Dia Nobre, autora de “No útero não existe gravidade” e outros trabalhos maravilhosos. Ouça agora:
Apoie o RS
A gente sempre encerra nossas newsletter pedindo apoio ao Posfácio. Mas, dessa vez, queremos pedir doações para o RS. Além do setor cultural, com todos os nomes que citamos acima, busque organizações da sociedade civil que estão recebendo doações. A própria Julia Dantas divulgou algumas nesse post:
Obrigada e até a próxima,
Stefani
Muito obrigada, Stefani, por tudo