Dez anos sem Gabriel García Márquez
Morte do autor colombiano completa uma década nesta quarta-feira, dia 17, e eu decidi contar minha jornada pra chegar mais perto dele
Em 2014 ainda era o Facebook a rede social que a gente mais usava, e foi por lá que o perfil oficial do escritor Gabriel García Márquez anunciou que ele havia morrido naquele 17 de abril, aos 87 anos. Eu chorei. Tinha 27 anos, estava passando por mudanças na minha vida, e Gabo já era meu escritor favorito. Nos livros dele, além do fantástico, que tanto me atrai, e do orgulho de ser latino-americana, eu encontrava palavras que soavam quase como mensagens.
Em tudo que ele escreveu sobre o avô dele, eu identificava o mesmo sentimento que tinha sobre o meu, que tinha morrido menos de um ano antes do Gabo. Ele contou, por exemplo, em “Cheiro de Goiaba”, que toda vez que alguma coisa lhe acontecia, sobretudo alguma coisa boa, faltava, pra ele, poder contar ao avô, pra que sua alegria fosse completa. É exatamente assim que eu me sinto (e já contei isso mais de uma vez no Posfácio Podcast).
Bom, vou partir dessa história pessoal pra contar, nesse dia, como cheguei até a cidade em que Gabo nasceu - Aracataca, na Colômbia - e compartilhar algumas imagens dessa viagem surreal. Aliás, já falei sobre isso nesse episódio aqui:
Eu faço aniversário junto com meu avô: 3 de dezembro. Em 2013 passei meu primeiro aniversário sem ele, e foi horrível. Nunca mais foi bom como era, na verdade. Em 2014, eu mudei de emprego, de cidade, e até celebrei, mas longe da minha família, e chorava a cada telefonema recebido. Em 2015, também. No ano seguinte eu faria 30 anos e decidi que ia ser diferente. Queria passar meu aniversário longe de todo mundo, se possível sem telefone, sem internet. E comecei a traçar um plano. Nos meus 30 anos, eu queria estar em Macondo. E foi assim que planejei uma viagem pra Colômbia, baseada nos livros de Gabriel García Márquez, que me levasse até lá.
Primeiro, passei alguns dias em Cartagena, o lugar mais quente em que já estive, mais amarelo, mais encantador. Vi as ruas por onde Gabo passou, locais que são citados em seus livros, fachadas de jornais em que ele trabalhou.
De lá, parti pra Barranquilla. Mas naquela manhã, acordei com a notícia de uma tragédia: a queda do avião da Chapecoense, que deixou 71 mortos, entre eles meu colega de trabalho e amigo André Podiacki, grande jornalista esportivo e uma pessoa de um coração maior ainda. A Colômbia virou outra coisa pra mim. Um lugar de tristeza, de saudade e de acolhimento.
No dia da morte do Podi, eu visitei o La Cueva, hoje um restaurante bacana, antigamente um boteco por onde um Gabo jovem jornalista circulava com seu primeiro manuscrito debaixo do braço, como nessa imagem que está lá:
Naquele lugar, eu recebi um abraço carinhoso da proprietária, que foi amiga do Gabo, me contou histórias, me ouviu sobre a dor que eu sentia naquele momento e demonstrou uma empatia que eu desconhecia.
De Barranquilla, parti pra Santa Marta. Era de lá que sairia o microônibus que me levaria até Aracataca. Já era véspera do meu aniversário quando eu conheci a Quinta de San Pedro Alejandrino, o local em que morreu Simon Bolívar e inspirou Gabo em “O general em seu labirinto”.
E aí chegou a manhã de 3 de dezembro. Acordei ainda de madrugada e vi o sol nascer por trás da Serra Nevada de Santa Marta. Peguei o transporte que me levaria até Aracata e fui passando pelos caminhos pelos quais Gabo passou, até chegar à cidade em que nasceu. Fiquei hospedada na casa de uma senhora, exatamente atrás do terreno em que hoje fica uma réplica da casa em que o autor nasceu e cresceu (a verdadeira tinha sido demolida). Lá, hoje um museu, há peças e trechos de livros que ajudam a contar a história da família.
Obviamente, não voltei a mesma de lá. As borboletas amarelas, pintadas em cada poste, passaram a ter outro significado pra mim. Me isolei no meu aniversário, mas não escapei da dor. Pelo contrário, deixei que ela viesse, mais crua do que nunca. E, desde então, sempre que fico triste, me compro flores amarelas, porque ele ensinou que enquanto elas existirem, nada de mal pode me acontecer.
Leiam Gabriel García Márquez
Nesse ano em que Gabo, tem livro novo do Gabi na praça, “Em agosto nos vemos”. Eu gravei um Diário de Leitura dele pro Posfácio:
Outro livro que eu recomendo muito é “Gabo & Mercedes: uma despedida”, no qual o filho deles, Rodrigo García, nos conta de maneira muito generosa e honesta como foram os últimos dias dos pais. Também já falei sobre ele no Posfácio:
Conto essa história toda porque isso tem muita relação com o motivo pelo qual criamos o Posfácio: a gente gosta de falar de como os livros nos tocam. Eu nunca passei imune por um livro de Gabriel García Márquez. E, pra mim, esse é o maior valor da literatura.
Sexta temporada
Estamos trabalhando na sexta temporada do Posfácio e, às sextas-feiras, a cada 15 dias, você ouvirá nomes importantes da literatura brasileira contemporânea no podcast. Mais uma vez, vamos priorizar autoras mulheres e vozes diversas, porque isso faz parte da nossa missão! O episódio mais recente foi com a escritora Natalia Timerman, sobre o livro “As Pequenas Chances”:
E na sexta agora, dia 19, a conversa com ela continua: vamos falar do livro sucesso “Copo Vazio”. Não perca!
Apoie nossa missão!
Fazer jornalismo independente não é tarefa fácil! Pra viabilizar nosso trabalho, buscamos diferentes fontes de recursos financeiros. Uma delas é a nossa campanha de financiamento coletivo. Temos a meta de atingir R$ 1,5 mil por mês em apoio.
Doando a partir de R$ 10 por mês, você concorre a combos de livros de editoras como a Campanhia das Letras, Boitempo e Relicário, que são nossas parceiras, além de obras da literatura catarinense. Essa é a recompensa física. A moral é você incentivar o jornalismo cultural e compromissado com causas sociais, feito por mulheres, e independente! Contamos com você.
Se você não pode apoiar de maneira recorrente, mas quer dar aquela força pontual, faça um Pix para 51571965000175 (CNPJ).
Essas doações nos ajudam muito a bancar as despesas mensais da empresa e nos fortalecem para irmos em busca de projetos e apoios robustos, que financiem produções de qualidade e também nos paguem pelas horas que dedicamos ao Posfácio Hub e a vocês!
A todas as pessoas que já nos apoiam, nosso agradecimento enorme! Vocês não têm ideia do quanto isso é importante e nos motiva a seguir em frente nesse sonho de fazer jornalismo cultural e focado em direitos humanos de maneira independente e com qualidade.
Muito obrigada!
Beijos e até mais, Stefani